[Pontosdecultura] [CULTURA FEMINISTA] O movimento trans produz críticas à dominação de gênero

Leila L lopeslei em gmail.com
Terça Fevereiro 5 22:11:37 BRST 2013


Rita Colaço
Crédito : Reprodução


Por Rita Colaço - O texto que escrevi semana passada comentando a  
entrevista que a modelo internacional Lea T concedeu ao Fantástico gerou  
debates – como desejável, pelo tema abordado.


A fala da modelo me fez recordar o quanto essa discussão – da violência  
simbólica presente no sistema de gênero, suas dinâmicas e reproduções  
irrefletidas – havia sido abortada pela primeira geração de ativistas do  
movimento homossexual (LACERDA apud SILVA, 1998, p. 36). Le


mbrei-me do quanto se estabeleceu uma espécie de dogma em torno da  
desesperada busca por um feminino ideal, um feminino determinado desde  
fora; da busca alucinada que tem levado mulheres ditas “cis”, travestis e  
mulheres transexuais a resumir todo o projeto de suas existências nessa  
ânsia inatingível. Lembrei-me das deformidades, mutilações e incontáveis  
mortes causadas pelo uso do silicone industrial e da ausência de críticas a  
essa corrida desesperada ao feminino idealizado e imposto. Mortes também  
contabilizadas entre as mulheres “cis”, em sua desenfreda busca pelo  
“corpinho sarado”.


Para expressar minhas percepções, produzi o texto "Lea T põe o dedo nas  
feridas do sistema de gêneros", publicado aqui no Brasília em Pauta.



Nesse texto, eu termino com duas interrogações categóricas:

Por que o movimento LGBT, o movimento trans, ninguém jamais ousou  
questionar a ordem simbólica que levou e leva milhares de transexuais  
pobres à morte pelo uso indevido de silicone industrial? Por que todos se  
limitaram e se limitam a reivindicar a cirurgia como a grande panacéia para  
todas e todos?



Houve quem concordasse, houve quem divergisse. A crítica mais contundente  
veio do ativista interssex e pesquisador argentino Mauro Cabral.


Ele escreveu:

"Me parece que la que atrasa 30 es Rita Colaço. No puedo creer que escriba  
que "...ninguém jamais ousou questionar a ordem simbólica que levou e leva  
milhares de transexuais pobres à morte pelo uso indevido de silicone  
industrial? Por que todos se limitaram e se limitam a reivindicar a  
cirurgia como a grande panacéia para todas e todos?" Me parece que esa  
afirmación revela la absoluta ignorancia de la autora respecto de la  
producción crítica trans. Lamentable."


Disse ainda Mauro Cabral: “Y, como dije antes, usar el ejemplo de Lea T  
para decir que en Brasil nadie ha dicho nunca nada en 30 años es como usar  
de ejemplo a Pamela Anderson para decir que el feminismo norteamericano  
nunca debatió los estereotipos de género."


Mauro ainda me fez a gentileza de trazer alguns links que corroboram sua  
assertiva. Por meio deles eu pude rever meu ponto de vista e concordar com  
ele que, sim, eu fizera afirmativas generalizantes e inconsistentes.


A partir dessas fontes trazidas pelo Mauro, pude perceber que, sim, já há  
vozes dissidentes dentro do movimento trans. Ainda que minoritárias, como o  
próprio Xande (Alexandre Peixe dos santos) reconhece, mas que fazem a  
diferença – a total diferença:

Quando eu fizer a minha cirurgia,não serei mais transexual? É bem  
complicado isso. E este é um dos motivos que me afastam um pouco do  
movimento, pois foi imposta essa idéiado vivenciar a transexualidade. Mas  
eu não estou vivenciando-a, porque vou ser transexual para sempre,  
independentemente da cirurgia ou não. Situações do tipo: "após a cirurgia,  
eu vou ser homem ou eu vou ser mulher?".


Não se trata em absoluto em supor que existam apenas esses dois pontos de  
vista. O movimento trans, como o lésbico eo gay, e aquele que busca  
construir a luta conjunta e se apresenta na cena pública através da sigla  
LGBT, possuem posicionamentos diversificados – o que é, de meu ponto de  
vista, sinal de vitalidade. Trata-se de reconhecer publicamente o erro de  
minha afirmação, pois generalizante e desatualizada.


Mauro, com a sua crítica, me fez sentir muita alegria. - Jamais me alegrei  
tanto em reconhecer um erro.


Porque entendo que a única relevância da nossa constituição como homens ou  
mulheres se dá pelas relações sociais. Se eu sou uma mulher, se me entendo,  
percebo, me apresento e vivo como tal, o par de cromossomos que carrego, o  
sexo de registro no meu nascimento, a morfologia da minha genitália, são  
questões irrelevantes. Não me tornam nem mais nem menos mulher que qualquer  
outra. Agora, quando preciso lutar pelos direitos que me são negados por eu  
ser uma mulher trans, quando preciso lutar pelo reconhecimento da minha  
identidade, aí sim, é ai que a questão trans passa a ter relevância. E não  
só para mim. (Aline Freitas).



*






Tenho muita alegria em ler textos como os de Aline Freitas, pois vão no  
mesmo sentido daquilo que Lea T buscou comunicar em sua entrevista para o  
Fantástico. Mas não posso de maneira nenhuma silenciar diante de vozes que  
tentam desqualificar as críticas formuladas pela top model, sob o triste  
argumento de que ela “não domina a teoria do gênero”. Como sustentei nas  
redes virtuais, um tal discurso apenas reproduz e reafirma o mesmo  
mecanismo da violência simbólica a que esses segmentos tanto tem sido alvo  
ao longo da história – agora pela via do discurso de autoridade.


Embora denunciando vigorosamente semelhante equívoco, não deixo de me  
revigorar diante de vozes como as de Xande (A Patologização da identidade  
de gênero: Debatendo as concepções e as políticas públicas), Aline Freitas  
(traduzindo "Eu não sou minha cirurgia" e no autoral "Mulheres trans eo  
movimento feminista") e Janaína Lima (a quem ouvi proferir uma essencial  
crítica ao sistema de gêneros em Brasília, por ocasião da I Conferência  
Nacional para Políticas LGBT, no ano de 2008). São vozes que, junto com Lea  
T, ousam contestar a normatividade do gênero, do estilo de gênero e da  
orientação sexual - inclusive no interior do próprio segmento. Ainda que  
algumas delas por vezes incorram na reprodução da lógica da desqualificação.


Através de Mauro Cabral, me congratulo com as e os transexuais brasileiros  
que já se encontram a produzir esses questionamentos fundamentais, e me  
retrato publicamente com os e as ativistas trans do Brasil, por haver  
proferido afirmações desatualizadas.



*Rita Colaço é graduada em Direito, mestre em Política Social e doutora em  
História Social.


--
Postado por Leila L no CULTURA FEMINISTA em 2/05/2013 04:11:00 PM
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