[gt-educacao] Pekka Himanen: As crianças são hackers

Paulo Francisco Slomp slomp em ufrgs.br
Sexta Novembro 30 15:57:39 BRST 2012


[Veja logo abaixo a publicação original em espanhol.]

As crianças são todas originalmente hackers, constata Pekka Himanen

Quinta, 29 de novembro de 2012

Fonte: 
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/515929-as-criancas-sao-todas-originalmente-hackers-constata-pekka-himanen

O intelectual finlandês Pekka Himanen (foto), autor do já clássico livro 
“A ética do hacker”, esteve em Buenos Aires para oferecer conferências 
sobre o espírito do trabalho na idade da informação. Em entrevista, 
falou sobre a maneira como o conteúdo de seu manifesto sobreviveu nestes 
últimos dez anos.

Pekka Himanen parece muito jovem para ter escrito “A ética do hacker”. 
Nesse manifesto, publicado em 2001, o intelectual finlandês (que aos 
vinte anos tornou-se doutor em filosofia) tenta definir o espírito de 
trabalho que caracterizava o mundo dos programadores, como Linus 
Torvalds, o criador do sistema operativo de código aberto Linux – ou 
Steve Wozniak, o cofundador, junto de Steve Jobs, da Apple Computer. 
Himanen não inventou o termo Hacker, nem mesmo sua definição original: 
um programador ou cientista da computação que trabalha essencialmente 
pelo amor em solucionar problemas interessantes e difíceis, em conjunto 
com um grupo de colegas, cujo primordial código ético é compartilhar a 
informação.

Em seu livro, o que fez Himanen foi contrapor o espírito hacker com a 
ética protestante, definida por Max Weber na obra “A ética protestante e 
o 'espírito' do capitalismo”. Dessa forma, tentou definir um novo 
espírito de trabalho para o terceiro milênio. Segundo a ampla definição 
de Himanen, qualquer um pode adotar o espírito hacker, seja qual for a 
sua profissão, porque em sua essência significa fazer as coisas com 
alegria e paixão dentro de um coletivo que compartilhe os mesmos valores.

O prólogo de “A ética do hacker” foi escrito por Linus Torvalds, também 
finlandês. O posfácio foi escrito pelo renomado sociólogo espanhol, 
especialista em sociedade da informação, Manuel Castells. Enfim, como um 
experto surfista, Himanen pegou uma gigantesca onda exatamente no 
momento certo.

Himanen foi convidado para estar no Chile e Argentina pela Cátedra 
Globalização e Democracia, da Universidade Nacional de San Martín, e 
pela Universidade Diego Portales, do Chile, junto com a Fundação OSDE.

No hotel, numa manhã de intensa chuva, falamos com Pekka Himanen, que 
hoje está com 39 anos, enquanto tomava um suco de laranja e comia um pão 
com presunto. Himanen é afável e correto, mas no início da entrevista 
parecia que muitas vezes dava respostas programadas, como um político. 
No entanto, posteriormente, escutando sua voz no gravador, percebe-se 
que é o seu inglês que é bem articulado. Ele se expressa com precisão e 
eloquência, formulando as palavras pausadamente, com estranhas, mas não 
desagradáveis pausas. Como se fosse o autor Christopher Walken fazendo a 
voz do conde Drácula.

A entrevista é de Andrés Hax, publicada no jornal Clarín, 23-11-2012. A 
tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Atualmente, qual a relevância que ainda tem seu livro, “A ética do 
hacker”, onze anos após sua publicação? A Internet mudou tanto durante 
esse tempo.

Acredito que simplesmente se tornou mais relevante. Realmente, agora 
temos muitos exemplos da ética do hacker. Como a força do movimento 
código aberto, por um lado. Por exemplo, o fato de que um terço da 
Internet funcione com Linux e de que três em cada quatro smartphones 
rodem como o Linux, já que o Android é baseado no Linux. E todos os 
tipos de gravadores digitais, como o que você está usando agora... e até 
estações de serviço o usam.

Então, por um lado, percebe-se que o código aberto se tornou o centro de 
nossa infraestrutura tecnológica, na era da Internet. Porém, além disso, 
por outro lado, também pode se notar como, fortemente, segue adiante uma 
ética de trabalho criativo no mundo dos negócios. Este livro, “A ética 
do hacker”, foi um best seller em Silicon Valley, originalmente. E eu 
diria que todas as coisas que estão acontecendo com o Google e a Apple 
são exemplos sobre como pode ser criado valor econômico, por exemplo, a 
Apple se convertendo na empresa com o melhor valor de mercado do mundo. 
Isto enfatiza esta passagem que ocorreu entre a ética do mundo 
industrial e a ética criativa na era da informação.

Esta ética hacker que você descreve não se limita ao mundo informático 
ou tecnológico, possui aplicações em qualquer campo. Você sabe se este 
livro foi lido e teve influência em outros setores fora do estritamente 
tecnológico?

Pessoas de diferentes profissões já se aproximaram para me dizer: “eu 
sou um hacker”. Pessoas que compartilham o mesmo espírito. Como você 
sabe, a ideia central é ser apaixonadamente criativo a respeito daquilo 
que se faz, trabalhando em conjunto com outros. Isto você pode fazer em 
qualquer campo. E o meu próprio trabalho, mais recente, foi sobre a 
cultura da criatividade em outros campos.

Este livro, “A ética do hacker”, torna-se um peso para você? É como a 
canção popular de um cantor que sempre precisa cantar, por mais que 
esteja cansado do assunto?

Não. Para mim, isto é como a formulação chave do espírito da era da 
informação. É a nova ética de trabalho que substitui a ética de Max 
Weber. Porém, ao mesmo tempo, é o começo para um projeto maior, para 
compreender esta cultura da criatividade. E eu tenho trabalhado muito 
analisando os principais centros de criatividade no mundo, tanto 
tecnológicos, científicos, como artísticos. E eles sempre possuem os 
mesmos elementos: a criatividade e a paixão, combinadas com interações 
enriquecedoras.

Com a crise global, que começou em 2008, o velho modelo de 
desenvolvimento chegou a um ponto sem saída. É o que chamo de grande 
recessão. E precisamos renovar a economia, a dimensão do bem-estar e a 
dimensão ecológica. Então, recentemente, estive pesquisando sobre a 
forma como usar esta cultura da criatividade para reformar nossa 
economia, passando para uma forma mais sustentável: é o que chamo o 
Estado de bem-estar 2.0. Estes são assuntos que me ocupam agora.

Muitos dos hackers, seja qual for sua profissão, são autodidatas e 
contraculturais. Pode-se ensinar a cultura da ética do hacker e 
incorporá-las às instituições tradicionais da sociedade?

Bom, eu também tenho conduzido escolas filosóficas para crianças. Para 
crianças a partir de quatro anos, oito anos e doze anos. São todos, 
originalmente, hackers. Então, não se trata de criar algo que não 
exista. Simplesmente, precisamos parar de frear esse hackerismo 
originário. Porque os tipos de perguntas que todos nós somos capazes de 
fazer sobre o mundo, sobretudo com curiosidade e paixão, já estão nas 
crianças.

Até o processo de aprendizagem que os hackers usam, que começa por 
encontrar algo cheio de sentido; procede de perguntas, de formulação de 
ideias; e depois em utilizar todos os recursos que estão à disposição; 
mas estes são usados criticamente porque pretendem criar uma grande 
solução; e fazem isto em conjunto com outras pessoas. Tudo isto é 
motivado por um relato com sentido. É isto o que as crianças fazem.

O sistema educacional é um assunto central para mim. A forma como 
criamos as crianças é a questão fundamental. Porque realmente é aí que 
reproduzimos nossos valores culturais. Então, esta é uma área na qual 
trabalho muito. Temos que criar a escola 2.0, ou a universidade 2.0. 
Temos que ajudar as pessoas a descobrirem suas paixões criativas na 
vida, podendo desenvolvê-las.

Adicionalmente, acredito que a educação é o único espaço onde a 
igualdade de oportunidades pode ser oferecida de verdade, para além 
daquilo que é o seu entorno social ou econômico. Numa sociedade justa, 
você tem igual oportunidade para realizar o seu potencial único na vida. 
Contudo, é complicado. Na Finlândia pudemos criar uma combinação que é 
muito rara, que temos escolas públicas, gratuitas e de excelente 
qualidade. Há muito investimento do Estado na educação de docentes.

E na Finlândia os docentes podem viver bem com o que ganham?

Sim, vivem com seu salário. E um ponto importante é que muitos dos 
melhores alunos querem ser docentes. Isso não ocorre em muitos países. 
Segundo estudos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico 
(OECD), nossos alunos são número um em todas as categorias, desde a 
alfabetização até a matemática, desde as ciências naturais até a 
habilidade para solucionar problemas. Então, para mim o sistema de 
educação é o espelho da sociedade. É o espelho de nossos verdadeiros 
valores.

Em seu início, a web era manobrada e consistia mais apropriadamente a 
uma população de pessoas com interesses mútuos: cientistas e nerds (no 
bom termo da palavra). Agora, ela se massificou. Minha pergunta é: você 
sente que a web, como comunidade, perdeu sua energia e seu encanto nos 
últimos 15 a 20 anos?

Primeiro, é bom lembrar que estamos falando mais ou menos de 15 anos. De 
fato, a revolução da web, caso fosse um ser humano, é a de quem ainda é 
menor de idade: possui menos de 18 anos. A web não pode legalmente 
comprar bebida alcoólica! Então, é um acontecimento que contou com uma 
velocidade assombrosa. Na história, nada se espalhou pelo mundo com 
tanta velocidade. Então, é claro, ocorreram muitas mudanças. No início, 
eram mais pessoas envolvidas com os computadores, porque era muito 
técnico. Entretanto, eu diria que o coração da Internet não mudou. 
Tecnologicamente ainda está baseado no código aberto, então é um esforço 
coletivo e criativo. E a maioria da Net ainda é grátis.

Para você, quais são as diferenças mais notáveis entre o momento passado 
e o presente?

No início da Internet, as pessoas não compartilhavam sua vida toda com 
todo mundo. Como você sabe, Max Weber também falava sobre a maneira como 
a Ilustração retirou o mistério da vida. E, na realidade, eu penso que 
temos que trazer de volta o mistério, porque é realmente pouco 
interessante quando uma pessoa revela tudo. Esta é uma tarefa para agora 
na Internet: recuperar o mistério.

Há uma tese que diz que o uso da Internet está nos tornando 
superficiais, que está nos tirando a capacidade de nos concentrarmos. 
Esta ideia preocupa você? Estamos nos tornando estúpidos pela forma como 
usamos a Internet?

Há dez anos, por exemplo, a nenhum acadêmico sério ocorreria citar uma 
enciclopédia. Porém, agora, é algo que ocorre. Porém, por outro lado, é 
preciso dizer que a Internet é um espelho de nós mesmos. Não há nada na 
Internet que não esteja em nós, em primeiro lugar. Então, por exemplo, 
se há um problema de ausência de informação na Internet, é necessário 
lembrar que a maioria das coisas que ouvimos de outras pessoas na vida 
carece de informação. Na vida também há um problema de má informação. Os 
mesmos tipos de habilidades críticas estão ausentes tanto no olhar sobre 
a Internet como na vida. Nem todo mundo está acostumado a exercer essa 
atitude crítica.

Gostaria de saber quais são os livros mais importantes que você leu. 
Qual recomendaria a um jovem, por exemplo, que está iniciando seriamente 
a leitura e pensamento sobre a vida?

Existem tantos livros que foram importantes para mim, mas para responder 
esta pergunta, de fato, eu recomendaria somente um. Talvez seja um pouco 
surpreendente, mas recomendaria que todo mundo lesse “O homem em busca 
de sentido”, de Viktor Frankl. E, fundamentalmente, para mim “A ética do 
hacker” é sobre nossa busca de sentido e de uma vida com sentido.

Última pergunta. Parece que você é um otimista. Você tem esperança na 
humanidade?

Sempre me interessou mais falar a respeito das coisas sobre as quais sou 
favorável do que daquelas que sou contra. Porque a segunda não ajuda a 
solucionar problemas. Talvez, isso também faça parte da ética hacker. De 
alguma forma, o hacker possui apenas dois princípios: regulamentar o que 
não funciona e deixar em paz o que funciona. Além disso, na história 
tudo foi impossível até se tornar possível. Sem dúvida, nós, seres 
humanos, temos capacidade criativa. A questão é fazê-la funcionar.

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Original em espanhol

Ideas - Tecnología y comunicación

23/11/12 - 18:23

Pekka Himanen: “Los chicos son todos originalmente hackers”

El intelectual finlandés autor del ya clásico “La ética del hacker” 
estuvo en Buenos Aires para brindar conferencias sobre el espíritu del 
trabajo en la edad de la información. En una entrevista con Ñ Digital 
contó cómo el contenido de su manifiesto ha sobrevivido estos últimos 
diez años.

POR Andrés Hax

Fonte: 
http://www.revistaenie.clarin.com/ideas/tecnologia-comunicacion/Pekka-Himanen-La-etica-del-hacker_0_815918647.html

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