[Pontosdecultura] [CULTURA FEMINISTA] Ombro a ombro com as mais ardorosas combatentes do sexismo e do machismo, ela jamais deixou de pautar, entre as reivindicações prioritárias, o combate ao racismo

Leila L lopeslei em gmail.com
Segunda Março 25 22:33:37 BRT 2013


Por: OSWALDO FAUSTINO

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Muito cedo, a antropóloga, educadora e feminista mineira, Lélia Gonzales  
aprendeu que, na luta dos movimentos sociais, também existem castas e  
hierarquias. Por isso, questões específicas como as das mulheres negras,  
eram subestimadas em favor do chamado "interesse maior". Assim como ocorria  
nas fotografias da liderança do Movimento Feminista, com as militantes  
negras, suas reivindicações também eram mantidas na segunda ou na terceira  
fila. A fidelidade às causas que abraçou - em especial a do feminismo e das  
relações raciais - foi a principal marca dessa ativista que, em 19 de julho  
de 1994, aos 59 anos, se transformou em ancestral. Mineira, nascida Lélia  
Almeida, em Belo Horizonte, ainda criança, mudou-se com a família para o  
Rio de Janeiro, onde foram viver na favela do Morro do Pinto, no Santo  
Cristo, junto ao Leblon. A proximidade com o Clube de Regatas Flamengo deu  
a um dos irmãos mais velhos, Jaime de Almeida, a oportunidade de se tornar  
jogador de futebol desse time e posteriormente seu técnico. Não é à toa  
que, flamenguista roxa, tinha o futebol como um de seus grandes prazeres.  
Era a penúltima dos 18 filhos e filhas do ferroviário negro Acácio Joaquim  
de Almeida, com a índia Urcinda Seraphina de Almeida.

Um exílio após o outro
Ser retirado de suas antigas moradias, mesmo que precárias, e empurrados  
para locais menos valorizados, é sina da população negra nos grandes  
centros urbanos. Das áreas centrais, consideradas nobres, para os morros e,  
desses, para as periferias e subúrbios, como a Baixada Fluminense. Com a  
família Almeida não foi diferente: do Morro do Pinto direto para o subúrbio  
de Ricardo de Albuquerque, loteamento das antigas terras do Engenho Nossa  
Senhora de Nazaré.

Muito tempo depois, na obra Lugar de Negro, que lançou em 1982, com Carlos  
Hasenbalg, pela editora Marco zero, Lélia escreveu: "O lugar natural do  
grupo branco dominante são moradias amplas, espaçosas, situadas nos mais  
belos recantos da cidade ou do campo e devidamente protegidas por  
diferentes tipos de policiamento: desde os antigos feitores, capitães do  
mato, capangas, etc., até a polícia formalmente constituída. Desde a casa  
grande e do sobrado, aos belos edifícios e residências atuais, o critério  
tem sido sempre o mesmo. Já o lugar natural do negro é o oposto,  
evidentemente: da senzala às favelas, cortiços, porões, invasões, alagados  
e conjuntos habitacionais, cujos modelos são os guetos dos países  
desenvolvidos dos dias de hoje. O critério também tem sido simetricamente o  
mesmo: a divisão racial do espaço."

As constatações de opressão e exclusão de seu povo não fizeram dela uma  
pessoa amarga. Ao contrário. Com seu riso franco, aberto e fácil, buscava o  
colorido de nossa cultura, o que a levou a escrever Festas Populares no  
Brasil, lançado pela Editora Index, em 1987, e premiado na Feira  
Internacional do Livro, de Leipzig, Alemanha, entre as obras que  
compõem "os mais belos livros do mundo".

Formação e militância
A distância ea precariedade dos trens da Central do Brasil não foram  
impedimento para a menina Lélia estudar. Tampouco de se destacar entre os  
alunos do tradicional Colégio Pedro II. Posteriormente, graduou-se em  
História, Geografia e Filosofia. Fez mestrado em comunicação e doutorado em  
antropologia. Já adotara o sobrenome Gozales - por meio do casamento -  
quando atuava como assistente no curso de Filosofia, na Universidade do  
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Dali para a Universidade Federal do Rio de  
Janeiro (UFRJ) foi um pulo. Sua simpatia pelos pensamentos de esquerda  
tornou-se irrelevante, diante dos seus conhecimentos, da capacidade  
intelectual e da comunicabilidade que motivaram o convite para ministrar  
cursos no Centro de Estudos de Pessoal, do Exército Brasileiro. Tudo isso  
em plena ditadura militar.

Muito tempo antes de se imaginar que, um dia, um presidente da república  
brasileira assinaria a Lei 10.639/03, que modificaria a Lei de Diretrizes e  
Base do ensino, no país, Lélia já combatia, em sala de aula, a opressão e  
exclusão de nosso povo. Aprofundava-se nos escritos de grandes pensadores  
negros daqui, dos Estados Unidos e da África; na história de civilizações  
africanas e de suas lideranças, nos conhecimentos mais elementares da  
cultura afro-brasileira. Assim, modificava os paradigmas no imaginário de  
seus alunos e fortalecia as bases da militância do movimento negro  
contemporâneo, no período de sua eclosão, na década de 1970.

"MUITO TEMPO ANTES DE SE IMAGINAR QUE, UM DIA, UM PRESIDENTE DA REPÚBLICA  
BRASILEIRA ASSINARIA A LEI 10.639/03, QUE MODIFICARIA A LEI DE DIRETRIZES E  
BASE DO ENSINO, NO PAÍS, LÉLIA JÁ COMBATIA, EM SALA DE AULA, A OPRESSÃO E  
EXCLUSÃO DE NOSSO POVO".

Onde o povo está
Enquanto alguns de nossos intelectuais se afastam do povo para vivenciar o  
glamour ea badalação dos "bem-nascidos" e do universo acadêmico, como uma  
verdadeira griô, fiel à tradição da oralidade africana, Lélia compartilhava  
com seu povo histórias que valorizavam nossas origens e produção cultural.  
Mesmo sendo professora e chefe do Departamento de Sociologia, da Pontifícia  
Universidade Católica do Rio de Janeiro, tinha certeza de onde e com quem  
queria atuar. Numa entrevista à Sociedade de Estudos e Atividades  
Filosóficos (SEAF) afirmou: "Fiz um tipo de escolha, que foi a militância  
de rua, participando de organizações negras, de seminários. Na medida em  
que nós, os intelectuais negros orgânicos, somos tão poucos, realmente  
existe um grande leque de atividades para poder responder às exigências que  
nos são colocadas." Porém, não fugia da raia e ocupava os espaços com sua  
sabedoria, por exemplo, com o pioneiro curso Cultura Negra no Brasil, que  
ministrou, por dois anos, na Escola de Artes Visuais, do Parque Lage,  
escola carioca considerada de elite.

Integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, não abandonou, em  
momento algum, as demais demandas urgentes como a dos afro-brasileiros e  
dos homossexuais, que constavam em sua plataforma de campanhas para  
deputada federal, em 1982, pelo PT, e de deputada estadual, em 1986, pelo  
PDT. Em ambos, ficou como suplente. Porém foi vitoriosa no campo da criação  
coletiva de organizações, entre elas, o Movimento Negro Unificado, a Escola  
de Samba do Quilombo, o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN),  
o Nzinga Coletivo de Mulheres Negras, no Rio de Janeiro; eo Olodum, na  
Bahia. Seu nome se perpetua em algumas instituições como o Instituto de  
Educação, Arte e Estudos Afro-Brasileiros Lélia Gonzalez.

Por meio da publicação de suas palestras e de debates dos quais participou,  
foi se cunhando o termo amefricanidade, que se baseia nas experiências  
diaspóricas, ou seja, a dos descendentes de africanos não só no Brasil, mas  
em todas as Américas. Ao ler Lélia Gonzales, se tem a certeza de que as  
diferenças culturais de nossa gente, do lado de cá do Atlântico, são  
minúsculas, diante de tudo o que temos em comum.



Fonte: Raça


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Postado por Leila L no CULTURA FEMINISTA em 3/25/2013 06:33:00 PM
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