[PSL-Brasil] GNUs para Reinaldo Bispo

Frederico Goncalves Guimaraes fgguimaraes em teia.bio.br
Quarta Maio 21 11:23:57 BRT 2014


Olá Tobias e demais,

(Pra manter a tradição dessa thread, esse e-mail também é enorme.
Ah, e ele deve ser lido em um tom bem ameno, não existe nenhuma
raiva ou rancor aqui.) :-)

Em Tue, 20 May 2014 16:45:04 -0300
Tobias Sette <tobiasette em gmail.com> escreveu:

> Bruno, interessantíssimo o seu ponto de vista, um ótimo contraponto.

Eu também concordo. Inclusive, baseado na fala dele, ao longo dessa
mensagem vou usar os termos "código aberto" e "software livre" de
forma particular. Quando usar o primeiro, estarei me referindo
exclusivamente ao software enquanto artefato - e que foi codificado de
forma a atender a licenças que a FSF considere como livres. Sei que o
termo código aberto (do original "open source") pode remeter a uma série
de licenças (inclusive algumas questionáveis), mas nesse texto estarei
focando exclusivamente na consideradas livres (segundo a FSF). Já
quando usar software livre, estarei me referindo a esse mesmo código
acrescido da camada de discussão sobre liberdade e ética, ou seja,
indo para além do código e considerando as implicações sociais.

É uma distinção meio esquizofrênica, na minha opinião, pois eu defendo
que o software livre é consequência do código aberto. Mas como algumas
discussões têm insistido em fazer essa separação, vou adotar esse
critério para melhor entendimento.

> Gostaria de colocar uma excelente observação que o André Nunes
> Batista fez na lista debian-user-portuguese em lists.debian.org [0]:
> 
> "Stallman já alertava que o afastamento das premissas éticas do
> movimento nos traria a adesão fraca de usuários que não se importam,
> não entendem e não aderem a nada."
> 
> O que pensam? Ele está errado?

Não. Na verdade essa frase do Stallman se aplica a QUALQUER movimento
social e não só ao software livre. Mas talvez a pergunta que tenha que
ser feita aqui é se as pessoas são menos éticas quando elas focam
exclusivamente no DESENVOLVIMENTO de um código que seja aberto e
livremente modificável e distribuível, ou seja, no código aberto.
Apresentar esse software para empresas e governos mostrando que ele é
tecnicamente superior, sem defender abertamente a bandeira do software
livre tem menos valor ético?

Se a resposta pra isso for sim, então ferrou. Sinto muito gente, mas
empresas não adotam soluções porque elas "defendem a liberdade", nem
porque elas são "mais éticas". Inclusive pelo princípio básico de que
empresas só existem porque exploram o trabalho alheio. Ou seja, se elas
acreditassem em algum momento em valorização do outro ou em ética
social, não seriam empresas, seriam cooperativas - ou qualquer outro
modelo de negócio que ainda não inventamos. Então, por não poder
oferecer o software livre, não posso defender a adoção do código aberto
nas empresas? Ou pior, devo fazer a defesa do software livre mesmo
sabendo que, com isso, não conseguirei convencer a empresa a
adotá-lo, pra eu manter meus (supostos) princípios éticos? Desculpem-me
de novo, mas isso não é defender software livre, é defender ego. Isso
porque ao nos abstermos da implantação do código aberto, por ser
considerado menos ético que o software livre, abrimos espaço para a
implantação do software privativo, e esse sim, desconsidera
completamente a questão ética. Ao fazermos isso, eliminamos qualquer
possibilidade das pessoas terem algum contato com a ideia do software
livre.

Reparem que não estou falando aqui de omissão. Não acho que as pessoas
tem que "esconder" o ideal de liberdade do software livre ao falar do
código aberto. Só acredito que a discussão principal a ser levada para
a implantação de softwares nesses ambientes seja a questão técnica.
Também não estou defendendo aqui que o software proprietário seja uma
"opção". Mas, infelizmente, algumas vezes ele existe justamente pela
"falta de opções". Um exemplo bem conhecido e problemático é o Autocad.
Não existe nenhum software livre que seja capaz de substitui-lo
integralmente. E ele só funciona no Windows. Ou seja, além de não ter
uma alternativa livre, ele ainda me força a usar um sistema privativo
para poder funcionar.

Já defendi isso antes, no comentário pro artigo original e na minha fala
na mesa do FISL e reforço novamente: com raríssimas exceções, mudanças
sociais não ocorrem aos saltos, mas sim em um processo gradual. E uma
mudança social de uma dimensão dessas é um processo lento. A coisa
pode desgringolar no meio do caminho? Pode sim. Mas tentar garantir uma
base ampla de código aberto, onde se pode plantar a semente do software
livre é melhor do que abrirmos mão disso por não podermos implementar
diretamente essa lógica. Quer dizer então que devemos fazer uma defesa
"permissiva" do software livre? Que temos que abrir mão de nossos ideais
pra ideia florescer? Não! De forma alguma! Mas temos que adequar o
nosso discurso para o público que nos escuta. Isso é básico para
qualquer atividade educacional.

Reforçando a fala de vários aqui, atacar quem discorda da nossa posição
não é a atitude mais inteligente para conquistarmos aliados. Eu tenho
um caso pessoal de um amigo que durante anos fez uma defesa dos
produtos da Microsoft. Ele sempre gostou muito da área de
desenvolvimento e, a cada vez que ele chegava com um problema ou uma
questão pra mim, eu apontava uma forma de resolver aquilo usando
ferramentas de código aberto. Depois de algum tempo, ele começou a
prestar mais atenção nisso. Até que um belo ele percebeu o quão melhor
era o uso do código aberto. Daí ele avançou pra discussão do software
livre. Ele é um ferrenho defensor dos ideais do software livre? Não.
Mas ele entende a proposta e divulga pra outras pessoas. Do jeito
próprio, ele está levando a ideia do software livre pra outras pessoas.
E é isso que interessa. Cada um vai reagir de uma forma diferente a essa
ideia. Inclusive alguns não vão ser conquistados por ela, simplesmente
porque essa discussão de liberdade e ética não tem a menor importância
pra essas pessoas - por mais absurdo que isso possa parecer.

> A palestra do Alberto, que o Anahuac menciona, pode ser vista aqui
> [1]. Um ponto central que ele defende é que software livre conta com
> a liberdade de escolha, inclusive escolher um software proprietário.
> 
> Em um evento grande evento de Software Livre, que fui novamente no ano
> passado, pude ver pessoas que reforçaram esse conceito. Elas dizem que
> pregam o software livre, mas isso é, no máximo, um adjetivo para
> "linux". Eles reconhecem a supremacia tecnológica, mas é da boca para
> fora. Tive oportunidade de conversar com uma pessoa que vai neste
> evento desde 2010, são 4 anos frequentando-o, ela não sabia quem era
> Richard Stallman, confundia conceitos de valor monetário ao conceito
> de liberdade de software. Claro, não se pode generalizar, aplicar
> este conceito a todos, mas isso não representa a maioria?

Não sei. Não tenho dados pra afirmar ou negar isso.

> Não representa os frutos de uma escolha quantitativa ao invés de
> qualitativa?

Também não sei. Mas aqui eu arrisco um palpite. Querer atribuir as
opções pessoais a somente um fator (escolha pelo quantitativo) é
simplificar demais a teia de interações que estabelecemos, bem como as
escolhas derivadas dessas relações. Portanto, acredito que as pessoas
pensam do jeito que você citou por diversos motivos, muitos deles sem
nenhuma relação com tecnologia. Por exemplo, o fato de vivermos em um
ambiente social que estimula cada vez mais o consumo e o "ter" antes do
"ser" também ajuda e explicar isso e outros fenômenos de natureza
tecnológica, como a explosão das mídias sociais.

> Compreendi o ponto que o Bruno passou, creio que a OSI, o opensource,
> é um aliado (empresas, normalmente, não vivem de ética), mas
> pergunto-me em qual parte do caminho começaram a surgir "as ovelhas
> desgarradas" e o porquê.

Um dos equívocos que tenho percebido desde que essa discussão começou é
a tentativa de encontrar "culpados" pelos problemas que estamos
enfrentando - além de, na minha opinião, um exagero na dimensão desse
problema. Apontar dedos não ajuda em nada o movimento de software
livre. Ao contrário, só faz reforçar a ideia de que somos exclusivistas
e chatos. Deveríamos estar discutindo formas de avançar tanto na
qualidade e quantidade de código aberto quanto em um melhor embasamento
de nossas falas sobre o software livre.

Inclusive essa é uma questão bem séria no movimento. Quantos defensores
efetivamente colaboram na produção do software, seja codificando,
traduzindo ou testando e reportando bugs e sugestões? Como já bem disse
o Jomar em um artigo, software livre não dá em árvore. Portanto, de
nada adianta fazermos toda uma defesa bonita do ideal se não
colaborarmos com a materialidade do mesmo. Mesmo porque não dá pra
avançarmos com a ideia de software livre se não tivermos programas que
atendam às demandas que vão surgindo. Trabalhar mecanismos de
colaboração com o código aberto é tão importante quando defender os
ideais do software livre.

E vamos conversando...

Um abraço e até mais.


Fred
-- 
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"Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há
ninguém que explique e ninguém que não entenda." (Cecília Meireles)


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